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sexta-feira, 12 de julho de 2013

Faleceu ABEILARD VILELA, escritor reguense e um dos primeiros guarda-redes do Sport Clube da Régua

ABEILARD VILELA - Faleceu ontem à noite, dia 11 de Julho de 2013, após indisposição súbita, na cidade de Coimbra, com 91 anos de idade, este grande reguense que foi o primeiro guarda-redes das mais antigas equipas do Sport Clube da Régua e irmão do saudoso advogado Dr. Júlio Vilela.
Paz a sua alma!
Texto inédito escrito por Abeilard Vilela em Abril deste ano, oferecido pelo autor ao seu Amigo Dr. José Alfredo Almeida para publicação neste blogue. É lembrança de um homem que recordava a Régua e personalidades do seu tempo.
O SENHOR CARDIANO

Meu Amigo:
Eu sabia que falhas como a que lhe vou passar a referir teriam que acontecer, quando me abalancei as escrevinhar duas coisas sobre o que vivi no meu tempo. Na verdade, eu deveria ter sido menos apressado em satisfazer-lhe o pedido que me fez, devendo, antes, ter acumulado metodicamente as que me iam saltando da memória, até que eu próprio viesse a chegar à conclusão que todo o historial já se esgotara. Assim como fiz, várias questões foram inevitavelmente omitidas.

Nesta oportunidade, penso que teria ficado bem incluir, no grupo das pessoas típicas do meu tempo, uma, que, realmente, nunca mais esqueci e que ainda retenho bem na minha mente. É a do senhor Cardiano, homem que me impressionava pela maneira como dificilmente andava, apoiado num grosseiro bengalão, a caminho da sua casa, próximo do asilo. Ele teria, por volta do ano de 1935 – ainda eu era rapazinho – talvez já mais de 60 anos, ao que me parecia. Era um homem baixote, pesado, arredondado de formas. Desfilava na rua, vestindo roupas de cotim, botas grossas, chapéu bem largo, que dava para ser utilizado nas vinhas, se preciso fosse. Do bolso das calças, do lado direito, dependurado e bem saído, salientava-se, vistosamente, um grande lenço tabaqueiro, de cor vermelha e muito em voga, dos que mais usavam os trabalhadores das vinhas.

Daquilo que eu julgava saber dele, tinha-o como um extraordinário e respeitável tanoeiro, que os proprietários do Douro procuravam afincadamente para o preparo do vasilhame. Julgo que se tornou, com o andar dos tempos, também um excelente provador, ouvido quando conveniente. De tanoeiro, passando a provador, breve passou a proprietário, juntando fortuna. De letras, julgo que pouco saberia, mas tinha revelado dotes suficientes que o tornariam respeitável.

No Colégio de Lamego, conheci e fui amigo de dois netos seus, que, creio-o, seguiram carreiras mais ilustres, para os lados do Porto. Nunca mais os vi. Mas, agora, que me lembro do seu avô, acho oportuno relembrá-lo, com o respeito devido a um homem de trabalho, talvez um homem merecedor de algum estudo, que poderia vir a descobrir que este senhor Cardiano foi um daqueles que ajudou, dentro da modéstia da sua figura, a engrandecer o nosso Douro, com a arte das suas mãos e com os dotes papilares da sua língua.

Creio que ficará bem, no relatos que fiz, o enquadramento deste raro trabalhador - de que já não existirá hoje qualquer referência. Guardo dele respeitosa memória. Nunca lhe dirigi uma palavra, mas, quando o via passar, eu bem o olhava com toda a minha curiosidade, até porque o “senhor Cardiano” era um homem diferente de todos os outros da nossa comunidade.
- Abeilard Vilela, Coimbra, 30 de Abril de 2013.
Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Julho de 2013. 

segunda-feira, 29 de julho de 2013

O SENHOR CARDIANO

Texto inédito escrito por Abeilard Vilela em Abril deste ano, oferecido pelo autor ao seu Amigo Dr. José Alfredo Almeida para publicação neste blogue. É lembrança de um homem que recordava a Régua e personalidades do seu tempo. Abeilard Vilela faleceu em 11 de Julho de 2013 em Coimbra.

O SENHOR CARDIANO

Meu Amigo:
Eu sabia que falhas como a que lhe vou passar a referir teriam que acontecer, quando me abalancei as escrevinhar duas coisas sobre o que vivi no meu tempo. Na verdade, eu deveria ter sido menos apressado em satisfazer-lhe o pedido que me fez, devendo, antes, ter acumulado metodicamente as que me iam saltando da memória, até que eu próprio viesse a chegar à conclusão que todo o historial já se esgotara. Assim como fiz, várias questões foram inevitavelmente omitidas.

Nesta oportunidade, penso que teria ficado bem incluir, no grupo das pessoas típicas do meu tempo, uma, que, realmente, nunca mais esqueci e que ainda retenho bem na minha mente. É a do senhor Cardiano, homem que me impressionava pela maneira como dificilmente andava, apoiado num grosseiro bengalão, a caminho da sua casa, próximo do asilo. Ele teria, por volta do ano de 1935 – ainda eu era rapazinho – talvez já mais de 60 anos, ao que me parecia. Era um homem baixote, pesado, arredondado de formas. Desfilava na rua, vestindo roupas de cotim, botas grossas, chapéu bem largo, que dava para ser utilizado nas vinhas, se preciso fosse. Do bolso das calças, do lado direito, dependurado e bem saído, salientava-se, vistosamente, um grande lenço tabaqueiro, de cor vermelha e muito em voga, dos que mais usavam os trabalhadores das vinhas.

Daquilo que eu julgava saber dele, tinha-o como um extraordinário e respeitável tanoeiro, que os proprietários do Douro procuravam afincadamente para o preparo do vasilhame. Julgo que se tornou, com o andar dos tempos, também um excelente provador, ouvido quando conveniente. De tanoeiro, passando a provador, breve passou a proprietário, juntando fortuna. De letras, julgo que pouco saberia, mas tinha revelado dotes suficientes que o tornariam respeitável.

No Colégio de Lamego, conheci e fui amigo de dois netos seus, que, creio-o, seguiram carreiras mais ilustres, para os lados do Porto. Nunca mais os vi. Mas, agora, que me lembro do seu avô, acho oportuno relembrá-lo, com o respeito devido a um homem de trabalho, talvez um homem merecedor de algum estudo, que poderia vir a descobrir que este senhor Cardiano foi um daqueles que ajudou, dentro da modéstia da sua figura, a engrandecer o nosso Douro, com a arte das suas mãos e com os dotes papilares da sua língua.

Creio que ficará bem, no relatos que fiz, o enquadramento deste raro trabalhador - de que já não existirá hoje qualquer referência. Guardo dele respeitosa memória. Nunca lhe dirigi uma palavra, mas, quando o via passar, eu bem o olhava com toda a minha curiosidade, até porque o “senhor Cardiano” era um homem diferente de todos os outros da nossa comunidade.
- Abeilard Vilela, Coimbra, 30 de Abril de 2013.
Clique na imagem para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Julho de 2013. 

terça-feira, 20 de julho de 2010

Os bombeiros e o Sport Clube da Régua

Esta imagem é dos anos 50 e retrata uma cerimónia solene em que os bombeiros voluntários se faziam representar na sede social do Sport Clube da Régua, que existiu no prédio pertencente ao comerciante Arnaldo Marques, na Rua dos Camilos.

Naquela sala reunia-se gente simples e humilde que criara o clube de futebol, alguns carolas e também figuras notáveis da elite reguense. Discursava de pé um homem generoso, influente e muito respeitado: João Vasques Osório, antigo presidente da câmara e, nesse momento, a exercer o cargo de presidente da direcção do Sport Clube da Régua. Ao seu lado, sentados à mesa, estavam o reverendo José Miranda Guedes, arcipreste do Peso da Régua e Humberto Vasques, funcionário público, junto à porta, o advogado Dr. Júlio Vilela, presidente da direcção da Associação Humanitária, o jovem Homero Marques Vasconcelos, a representar a Mocidade Portuguesa com a bandeira nacional, hoje engenheiro químico, o engenheiro Heitor Vasques e António Ribeiro, comerciante do ramo da relojoaria, e no canto esquerdo, Manuel Braga, conhecido jogador de futebol da equipa. Enchem as primeiras cadeiras um grupo de associados que, por se encontrarem de costas, não os conseguimos identificar. Dando um ar solene e de pompa à cerimónia, os bombeiros garbosamente fardados de capacete e casaco de couro, fazem a guarda de honra, enquanto um deles, o José Clemente, ostentava o estandarte.

Não se sabe ao certo, mas a cerimónia a decorrer seria a comemoração do aniversário do clube. Aquele ambiente invulgar ajuda a entender o que aí aconteceu. Escutado com atenção, João Vasques Osório profere um discurso, escrito numa folha de papel, por certo, a evocar grandes feitos do passado e a enaltecer a dedicação dos atletas, dirigentes e associados. Pode não falar da conquista de taças e troféus que não se encontram exibidos naquela sala, mas tem motivos suficientes para realçar algumas vitórias inesquecíveis contra equipas com a de Valongo ou a rival de Vila Real. Ao lado da bandeira do clube, porém, vislumbram-se as antigas fotografias, a recordarem as primeiras equipas cheias de nomes sonantes e craques como Abeilard Vilela, Jerónimo, Carriço, Canudo, um galhardete do Leixões Sport Club e outro a assinalar um torneio de futebol de 1949.
Na parede da sala sobressai ainda um retrato de João Vasques Osório. Aparenta ter menos idade e, é possível que seja, um retrato ainda do seu tempo de edil. Olhando de repente, entre as duas imagens parece que nunca existiu passado, como se a passagem do tempo se completasse em memórias tecidas por uma única realidade. Aquele homem fez história na Régua, nos anos 30, como um politico que mais trabalhou para o seu desenvolvimento e progresso.

Pertencendo a uma família benemérita da Régua, João Vasques Osório mais tarde, já retirado das suas funções públicas, aproveitando a sua experiência, assumia o desafio de dirigir o Sport Clube da Régua. O clube desportivo fundado em 30 de Novembro de 1944 (nascido da junção do “Ferroviário” e do “Régua e Porto”) caía assim em boas mãos. Ajudado pelo inegável bairrismo dos sócios, este dirigente aproveitava para fazer melhorias no campo de jogos de terra batida, construído, como então se dizia, na “volta da estrada” e não deixava morrer o sonho de tantos e tantos desportistas, ao fortalecer a mística do clube, numa fase de completo amadorismo, mas apostado em dar grandes glórias ao povo.

Com oportunidade, aproveitamos para citar algumas palavras que Abeilard Vilela escreveu numa carta dirigida aos dirigentes dos SCR, a evocar as suas memórias de jogador: “O Sport Clube da Régua nasceu, realmente, de um modo popular e os seus alicerces foram solidificados por trabalhadores humildes e persistentes, que tiveram que recorrer muitas vezes aos seus dinheiros que retiravam dos seus parcos salários. É tempo de os reguenses lhes prestarem as devidas homenagens…”.

Nessa carta, divulgava outras faces da personalidade do Dr. Júlio Vilela, um dos fundadores do clube, que também bem serviu a obra dos bombeiros: ”Quero ainda aproveitar para dar uns pormenores sobre os então directores do clube. Não me levem a mal que lembre especialmente o meu irmão Dr. Júlio Vilela. Eu ajudei a empurrá-lo para se responsabilizar pela legalização da agremiação e para a criação dos estatutos. Advogado de profissão, tinha uma vida sedentária. Pois, na altura das obras lá na volta da estrada, era frequente vê-lo cheio de genica a suar por todos os poros, a ajudar a arrastar um rolo de pedra sobre o terreno em construção, compactando e alinhando o terreno de jogo… Naquele tempo, lembro-vos, não havia caterpilares, que ainda nem sequer tinham chegado às vinhas, quanto mais aos futebóis…”.
A Associação Humanitária e o SCR estiveram sempre ligados por relações que ultrapassam a simples cortesia. Ao longo dos anos, existiu uma colaboração de inter-ajuda permanente. Os bombeiros prestam a assistência pré-hospital no Estádio Artur Vasques Osório, aos atletas lesionados. É assim ainda hoje. Uma ambulância para transportes de doentes e um piquete de bombeiros asseguram um serviço de primeiros socorros, sem qualquer despesa para o clube.
As duas instituições, apesar das dificuldades e dos problemas, resistiram a todas as crises e, com a boa vontade e os gestos beneméritos e altruístas de muitos desconhecidos cidadãos, continuam a dar vida aos seus ideais. Com o contributo de todos procuram realizar os seus fins sociais. O ideal seria que os cidadãos participassem mais na vida associativa, mas acontece que os que gozam de mais responsabilidades sociais abdicaram de ser dirigentes. Se nos bombeiros alguns aparecem para servirem nos órgãos sociais, no SCR poucos revelam essa disponibilidade.

O tempo das figuras locais, tais como comerciantes, médicos, advogados e até o pároco, se envolverem na vida era normal na sociedade dos anos 50. O exemplo mais flagrante era o caso dos presidentes de câmara, pelos estatutos das associações eram sempre eleitos por inerência para a presidente da assembleia-geral, coisa que nos nossos tempos não acontece por politiquices, ou vai-se lá saber porquê…!
(Clique nas imagens acima para ampliar)

Na verdade, fazem falta pessoas simples e generosas às duas instituições. A experiência dos bombeiros ensinou-os a não perderem os elos de ligação à população e, sem desmerecer ninguém, às elites, os melhores cidadãos que estão disponíveis para trabalhar na realização do Bem… de uma sociedade mais solidária!
- José Alfredo Almeida*, Peso da Régua, Julho de 2010.
  •  *José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua de onde é natural e de figuras marcantes do Douro.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Dr. Júlio Vilela: um grande presidente de direcção



O homem que, em 3 de Dezembro de 1955, discursava no restaurante Borrajo, com o velho Comandante Lourenço de Almeida Medeiros, Pôncio Alves Janeiro, um dos proprietários da Garagem Janeiro e o Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Peso da Régua, Joaquim Augusto Trindade Rodrigues todos em volta da sua mesa, era o distinto advogado, Dr. Júlio Vilela (1954-1963), um dos melhores presidentes que passou pela Direcção da AHBV do Peso da Régua.

Nesse dia, os bombeiros da Régua festejavam num jantar o 75.º aniversário (Bodas de Diamante) da Associação. O Dr. Júlio Vilela aproveitou a data para na presença dos membros dos órgãos sociais, do comandante Medeiros e seu do corpo activo, onde se destaca o bombeiro Joaquim Sequeira Teles e de alguns beneméritos, fazer um balanço do seu primeiro ano à frente da direcção dos bombeiros.

Na verdade, ele tinha motivos para estar satisfeito com os bons resultados. Abria, na história dos bombeiros da Régua, uma nova página, ao “inaugurar” o novo quartel, que se encontrava inacabado há mais de 25 anos. Realizavam um sonho que muitos não tinham conseguido realizar. Fechava para sempre o velho quartel que, desde 1923, funcionava sem condições numa exígua casa velha no Cimo da Régua. Até então, o edifício-sede estava reduzido a um esqueleto (embora fosse projecto do arquitecto Oliveira Ferreira prometesse uma obra grandiosa) mas, era considerado a forma definitiva de um sonho. A sua determinação conseguiu tornar o sonho numa realidade, ao deixar concluída a actual casa dos bombeiros.

Durante os nove anos que o Dr. Júlio Vilela liderou a direcção, os bombeiros da Régua tiveram uma fase de grande crescimento e de reconhecimento público. Ele, num curto espaço de tempo, conseguiu tornar a Associação cada vez maior e mais eficiente, o que ficou visível pela vasta obra que realizou. E, coube-lhe gerir com cuidado e respeito, a sucessão do velho comandante Lourenço Medeiros, que não foi nada fácil. Escolheu um homem para comandar os bombeiros, Carlos Cardoso (1959), que, com as suas novas ideias, apostou mais na formação dos bombeiros e na modernização dos equipamentos. Infelizmente, o Dr. Júlio Vilela só não fez mais pelos bombeiros porque a morte, de forma abrupta e cruel, lhe acabou aos 52 anos de vida uma brilhante carreira e o seu meritório percurso como um dedicado director associativo.

O Dr. Júlio Vilela foi um cidadão conhecido e respeitado. Quem o conheceu e com ele conviveu admirou-o pelas qualidades morais. Era também um bon vivant, e sobretudo um excepcional advogado, apreciado pelo seu verbo fácil e eloquente. Foi um dos mais famosos do seu tempo, com grande fama na comarca da Régua. Politicamente foi um verdadeiro democrata e um militante activo e envolvido mas causas sociais. Para além, do seu trabalho nos bombeiros colaborou e ajudou a crescer o clube de futebol da sua terra. Admirado pela sociedade do seu tempo, não deixava de conviver com as pessoas mais simples e os pobres, que ouvia atentamente e ajudava. Politicamente foi um verdadeiro democrata. Um desses amigos, era o engraxador “Porrório”, que lhe vendia a cautela da lotaria, entre o contar de anedotas de fazer corar e sorrir e, quando lhe pedia, oferecia-lhe os seus fatos ainda em bom estado e até pares de sapatos.

Faleceu há 47 anos, em 5 de Agosto de 1963. Passando estes longos anos, os bombeiros não esquecem o Dr. Júlio Vilela, a quem já prestaram simples homenagens de gratidão. A primeira aconteceu, ainda em 1963, ao ser descerrada uma sua fotografia, que se encontra exposta na sala-museu. A outra deu-se em 2005, ao baptizar-se o carro de incêndios urbanos com o seu nome, em que foi “padrinho” o irmão Abeilard Vilela.

O enaltecimento de seu carácter humano e fraterno está exposto no seu “In Memoriam”, escrito por alguém que só se identificou pelas iniciais A.D. no suplemento do jornal “Vida por Vida”, de Agosto de 1963, que aqui transcrevemos:

“Inesperadamente, sem que nada pudesse supor o trágico desenlace, finou-se o Dr. Júlio Vilela, prestigioso Presidente da Associação dos Bombeiros Voluntários da Régua, distinto causídico e reguense altamente cotado pelos seus dotes de bonomia e inteligência, pela sua modéstia que não conseguia ocultar um espírito brilhante – e pelo bairrismo doseado de sensatez e boa compreensão.

A Régua perdeu um dos seus filhos mais queridos e um dos seus mais votados servidores. Sem alardes, sem vaidades balofas, dentro daquela simplicidade de bon vivant que era apanágio, o Dr. Júlio Vilela tinha dentro de si, bem à vista, a alma de um grande reguense. Manifestou-a sempre. Mas, se outros elementos não houvesse a justificar esta asserção, bastaria considerarmos a sua actuação na presidência dos bombeiros, a sua perseverança, a sua boa vontade, o seu senso directivo, o seu amor à Corporação. Já antes de ser director, o Dr. Júlio era um bom amigo dos bombeiros da sua terra. Das suas palavras, das suas atitudes, ressumava, cristalina, sem pretensões, sempre de forma irrefutável, a sua dedicação. Depois, foram nove anos de efectivo esforço, numa colaboração íntima com os seus companheiros de direcção, e durante esse tempo a Corporação conseguiu uma posição brilhante nunca atingida, que a classificou entre as primeiras do país, dentro da sua esfera de acção.

Bastava isto para justificar a gratidão e amizade que lhe devotam os reguenses. Mas nem só isto valia; nem o mais que o Dr. Júlio Vilela tenha feito por qualquer forma, a favor da sua terá. A alma do povo, desde povo rude, humilde e chão, tem rasgos de perspicácia e de compreensão que se não encontra em todas as esferas. E o povo da Régua admirava no Dr. Júlio Vilela o homem probo e simples, inteligente e bom amigo, que tinha uma palavra suasória ou dito de espírito para animar quem quer que fosse – ou um gesto de solidariedade para auxiliar um desventurado.”

Os homens passam e as instituições ficam… mas ficam as marcas dos homens. As marcas do Dr. Júlio Vilela são notórias. Aquele elogio, pode parecer um louvor de circunstância, mas a simplicidade e autenticidade daquelas palavras correspondem à sua personalidade. Em boa verdade, só podem pecar por defeito, isto é, não desvendarem a verdadeira grandeza do homem que foi, sobretudo, um advogado de boas causas...! Aquelas que mais fizeram prosperar a sociedade reguense.

Para os bombeiros da Régua, a memória do Dr. Júlio Vilela está viva. Não dizemos isto só por dizer…! O Dr. Júlio Vilela fará sempre parte de uma obra constante e colectiva, erguida para o bem da Régua. E do seu povo…! Mas, só é possível, como ele dizia, fazer mais e melhor com a soma de todos.     
- Peso da Régua, Outubro de 2009, José Alfredo Almeida. Revisto e atualizado em Outubro  de 2010. 

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quarta-feira, 27 de julho de 2011

RECORDAÇÕES MARCANTES: Coisas dos nossos bombeiros

Abeilard Vilela

É-me sempre difícil dizer "não" a qualquer pedido que me  seja feito por bem. É o caso presente, quando, como agora, o Dr. José Alfredo Almeida, esclarecido presidente dos nossos Bombeiros Voluntários, me solicita que escreva mais duas palavras sobre estes, com factos que guarde na minha memória.

Na realidade, aconteceu que a minha vivência na Régua, a minha terra, se registou apenas durante a  época em que fui um rapazote, já que, aos 24 anos de idade, zarpei para a Guiné, onde me mantive até meados de 1976.

Quer isto dizer que, realmente, não tenho muito conhecimento de factos ligados aos Bombeiros, ou melhor, vivi todo o prestígio que os bombeiros tinham naquele tempo, quando, então, mais me interessavam  os futebóis, com a fundação esforçada do Sport Clube, a construção do campo, as vitórias e as derrotas  (que doíam muito...).

Mas lembro-me de uma constante, que acontecia sempre, qual era o sobressalto de toda a população reguense, quando a sirene (antes, eram os sinos das igrejas...) atiravam para os ares uivantes apelos, clamando pela ajuda dos bombeiros e dos populares.

A cada reguense mais batia o coração, nessas alturas. E muita gente acorria aos locais dos acidentes, assim dando o seu apoio, nem sempre da forma mais recomendável, como terá acontecido numa certa noite de verão, quando um violento incêndio lavrou na margem esquerda do nosso rio, bem em frente da Estação da CP, num prédio de um abastado proprietário de Lamego. Muitos populares, atravessando a velha ponte de ferro sobre o rio, acorreram ao local, onde com toda a brevidade logo chegaram os nossos bombeiros.

Tenho bem presente na memória o esforço destes, que rapidamente estenderam centenas de metros de mangueiras, procurando fazer chegar a água do rio ao prédio que o incêndio devorava… O calor intenso que fazia naquela noite associou-se ao calor do fogo: os tonéis, que existiam nos baixos do prédio, carregados de  vinho fino com a dilatação dos gazes, estoiraram, e o vinho, em catadupa, passou a correr pela valeta da estrada, parecendo um riozinho.
As  gentes aí, perderam o tino: homens e mulheres (e até a miudagem!...) mergulharam as bocas no vinho que corria. Muitos populares passaram a ver o fogo como uma dádiva justa, mais do que uma infelicidade. E, lamentavelmente, alguns bombeiros juntaram-se aos populares, e,  talvez porque sendo jovens, não souberam resistir à pressão dos espectadores.

É certo, também, que entre  os presentes corriam versões que davam má nota aos méritos do proprietário, talvez as queixas habituais dos pobres contra os ricos...  Seja como for, destes anormais comportamentos resultou um oportuno inquérito, que, na altura teve o seu eco. Assim, mais uma vez se comprovando que  "sobre o melhor pano cai a nódoa"...

Outro acidente que recordo, foi o incêndio que destruiu as instalações da nossa Câmara Municipal e que teve dimensões espectaculares, apesar dos esforços denodados dos nossos bombeiros, que o combateram corajosamente.  Foi um incêndio que me emocionou profundamente e que muito me ajudou a dedicar a maior estima pelos nossos bombeiros.

De muitos, guardo ainda uma longínqua recordação, vendo vários em atitudes prestimosas de serviço, atitudes que eram para mim um exemplo cívico inestimável. Sendo eu, então, já menos menino, olhava  para os nossos bombeiros com todo o respeito, admirando-os, porquanto eles, sem esperanças em retribuições e vantagens, ajudavam, os outros, pelo simples amor ao próximo.

Lembro, ainda hoje, algumas figuras que todos estimavam: o Teófilo, o Claudino, o quarteleiro Zé Pinto, todos "paus para toda a colher", todos solidários nos esforços que faziam. E  lembro outras figuras prestigiosas e respeitáveis, vindas de todos os meios sociais.

Na altura, eu tinha outras preocupações, era muito novo, mas já me sentia uma reserva daqueles que estavam ao serviço dos seus semelhantes e a quem olhava com toda a atenção e estima. Tantos anos decorridos, mantenho viva a minha admiração. Mas as coisas correm na vida com a sequência que cada momento oferece. E põem-se com toda a naturalidade e inevitabilidade.

Afinal, a vida é assim mesmo, não é verdade?

Nota: O nosso bem haja a Abeilard Vilela! Agradeço-lhe comovidamente não só como Presidente da Direcção da Associação mas também como um reguense interessado pelas causas sociais. Nos seus 90 anos de vida, acredite que nos deixa o registo de memórias de momentos únicos e de mais três figuras inesquecíveis da Régua, como são os Clementes (o Teófilo e o Chefe Claudino) e o quarteleiro Zé Pinto, infelizmente já falecidos, do exemplo de cidadania activa e o muito que marcaram na história dos Bombeiros da Régua. – J. Alfredo Almeida, Peso da Régua, Julho de 2011. 
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RECORDAÇÕES MARCANTES: Coisas dos nossos bombeiros
Jornal "O Arrais", Quinta feira, 21 de Julho de 2011
(Click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)

Colaboração do Dr. José Alfredo Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Julho de 2011. Clique nas imagens acima para ampliar.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Um homem único

Gostava de ser capaz de dizer a toda a gente quem foi aquele Mandela, aquele herói invulgar, que suportou 27 anos de cadeia, por ter lutado em favor da libertação do seus irmãos negros, tendo por arma única a palavra, que manteve esclarecida, sem sentir ódios aos seus compatriotas de cor branca, como seria comum a todos os outros humanos.

Teve companheiros leais nessa luta, mas ele, Mandela, foi o condutor de todos os outros, dos negros impacientes - que não eram senhores do seu chão – e dos de cor diferente - que se alcandoraram num poder que não podia ser exclusivamente seu.

O comportamento de Mandela – quando liberto da longa reclusão que suportou – fez-me lembrar o comportamento de um militante do PCP, quando tive a oportunidade de conversar com ele, pouco depois de liberto do Tarrafal, onde acabara de cumprir 23 anos de prisão, às mãos dos juízes dos plenários do pequeno Salazar. Este comunista notável chamava-se “Chico Miguel”. Fora sapateiro de profissão, mas, quando o conheci, era também senhor de muito boas palavras, que ponderava, e de onde sempre sobressaía o seu espírito harmonioso. Depois de uma vida passada na torreira de Cabo Verde, longe da família, surpreendeu-me a sua enorme capacidade para perdoar aos seus verdugos.

Pergunto-me a mim próprio se os sofrimentos longos e injustos não desenvolverão nos homens a tendência estranha para o desenvolvimento do sentimento de perdoar aos que deles abusaram, talvez porque considerem estes gente menor, gente irresponsável.

Que mais posso eu – homem que andei pela Guiné, que vi a fragilidade dos negros, gente lançada para os matos, atemorizada por feitiços, e explorada pelo homem branco à medida dos seus próprios interesses – que mais posso eu dizer, para relevar a excecional personagem de Mandela? Porque, para falar da imortal figura deste tão grandel africano, ser-me-ia necessário conhecer mais profundamente outras suas particularidades.

É ele uma personalidade que vou reter na minha memória, talvez à frente de todos os outros que me sensibilizaram: o 1º dos primeiros!...
- Coimbra, 27 de Junho de 2013, Abeilard Vilela.
No Twitter

Clique na imagem para ampliar. Sugestão de texto e imagem de José Alfredo Almeida (JASA). Edição de imagem e texto de J. L. Gabão para os blogues "Escritos do Douro"  e "ForEver PEMBA" em Junho de 2013.Este artigo pertence aos blogues Escritos do Douro e ForEver PEMBA. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos. 

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Carta para o José Alfredo Almeida

Meu caro Amigo José Alfredo Almeida:

Quero expressar-lhe o meu agradecimento, por me vir alimentando o meu ânimo com várias das suas mensagens, pois que, com a pouca mobilidade que já tenho, elas têm sido uma excelente maneira de passar o meu tempo sem grandes caturrices e até com alguma boa disposição.

As suas excelentes reportagens fotográficas conduzem-me muitas vezes ao passado e, de certo, têm-me dado uma aparência de rejuvenescido, criando-me a vontade de revisitar a região.

As imagens que me têm sido dadas a apreciar levam-me, a maior parte delas, a locais que eu bem conheci e a que me ligam pequenos pormenores de natureza vária. Uns lembram-me amigos da mocidade, outras pequenas aventuras de caça, outras, ainda, locais onde com outros rapazotes conversava, talvez aproveitando alguma pequena sombra  que nos refrescasse.

Da margem esquerda do nosso rio – que é, hoje, muito diferente do que era – lembro-me das noites tradicionais do arraial de 15 de Agosto, quando das festas do Socorro, porquanto era no areal que nele existia que assistíamos ao fogo de qualidade que era lançado e que nos proporcionava belos momentos, enquanto nos dessedentávamos e comíamos, gozando o fresco da noite.

Nesta mesma margem esquerda, tomávamos os nossos refrescantes banhos, como nunca mais tomei em parte alguma.

Longe da minha terra, amante dela, tornei-me, no entanto, muito mais exigente quanto à diversificação das suas fotografias. Talvez porque arrastado pela saudade dos tempos idos e talvez porque gostava de ter à mão e próximo do meu coração todo o Douro por onde andei “in illo tempore”, gostava de ver outro tipo de fotografias suas, talvez mais abrangentes, que cobrissem espaços específicos de toda a nossa região.

De resto, se a Régua é a princesa do Douro, o nosso Douro, todo ele, é o rei dos reis em todo o mundo.

Tenho a certeza de que o meu Amigo será capaz  de obter, com a sua arte e bom gosto, surpreendentes imagens, correspondendo às excelsas belezas que a nossa região oferece a todos os que as olham.

Sobre o Douro há já muitas e boas imagens, mas o meu Amigo é bem capaz de lhes acrescentar mais algumas, com o seu amor e arte.

Não contém esta minha proposta qualquer nota desfavorável quanto àquelas fotos que tenho apreciado e da sua criação, mas é um meu anseio natural, se quiser colaborante, ver-lhes alargado os horizontes, tornando pelas nossas mãos a região ainda mais conhecida.

Não quero, também deixar de lhe mostrar o meu apreço por vários mails que me tem mandado, uns dando-me nota de gente ilustre  que tive a oportunidade de conhecer e que fazem parte da história da Régua, mas outros, por conterem notas divertidas e mordazes, que tenho apreciado saborosamente.

Devo esclarece-lo que o meu Amigo preenche com outro meu Amigo o cardápio dos meus únicos fornecedores de mails. Por isto, daqui lhe mando o meu BEM HAJA!

Com um abraço.

- Abeilard Vilela, Junho de 2013

Clique na imagem para ampliar. Sugestão de texto e imagem do Dr. José Alfredo Almeida (JASA). Edição de imagem e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Junho de 2013.Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.    

terça-feira, 20 de março de 2012

José Afonso de Oliveira Soares

José Afonso de Oliveira Soares, natural do Peso da Régua, é reconhecido enquanto artista e decano dos jornalistas de província, por João de Araújo Correia. Dirige a sua vida à causa social enquanto bombeiro, vindo a comandar a corporação entre 1893 e 1927.
O Senhor Soares, como era conhecido na terra, à qual se dedicou toda a vida, assistiu às épocas conturbadas da viragem do século XIX para o século XX, mantendo-se alheio à política. Desenvolve a sua actividade profissional, além do voluntariado nos bombeiros, no campo das artes plásticas, da literatura e do jornalismo[i].
Nos bombeiros, Afonso Soares, não faz parte do grupo de sócios fundadores, embora apoie a causa desde início, inscrevendo-se como sócio contribuinte. Em 1885, procura fundar uma biblioteca no quartel, revelando, desde logo, um grande interesse pela literatura. Sabemos, no entanto, segundo José Almeida, que essa biblioteca não “mais seria que uma estante com livros raros”[ii]. Eleito comandante da corporação em 1893, sendo o segundo da história desta associação, ocupa o cargo até 1927, ano em que abandona no comando, pois os estatutos não lhe permitiam continuar devido à idade.
Afonso Soares não se destaca no panorama artístico nacional. Embora João de Araújo Correia o designe como “desenhador, gravador, modelador e pintor”, admite, por outro lado, que Afonso Soares não evolui, em primeiro lugar, devido ao seu “feitio dispersivo” e, também, por causa do meio onde se encontrava, longe de “escolas, de estímulos e entusiasmos”[iii]. Mesmo assim, Afonso Soares mantém o seu dinamismo enquanto pintor, efectuando diversos retratos, que tratamos neste trabalho, além de outras obras, algumas delas descritas por João de Araújo Correia no conto Configurações[iv].
Dedicando-se, paralelamente, à escrita, destaca-se como jornalista na imprensa regional, chegando a ser director do Jornal da Régua (1930). Realiza uma monografia, História da Vila e Conselho de peso da Régua (1936), editado pela Câmara Municipal do Peso da Régua. A referida obra acaba por ser publicada numa segunda edição em 1979, o que demonstra a sua importância para a divulgação da cidade e para estudos locais e regionais, mantendo-se ainda actual. Esta monografia, realizada no início do século XX é a única obra de referência deste género acerca do Peso da Régua[v].
A obra plástica que se conhece consiste sobretudo em retrato desenhado, publicado na monografia que realizou e na imprensa, o retrato a óleo sobre tela, pertencentes à colecção de retratos da SCMPR. Como referimos anteriormente, Afonso Soares demonstra uma capacidade diversificada em vários géneros – desde a literatura às artes plásticas, revelando-se um artista de carácter regional, autodidacta, mantendo-se informado cerca das evoluções técnicas da época, nomeadamente da fotografia. Vai socorrer-se deste processo técnico, como faziam os demais pintores, para executar os retratos que conhecemos. Com formação em desenho técnico[vi], o seu traço revela-se com uma qualidade superior em relação à técnica de óleo sobre tela, que não dominava.
A execução técnica das obras revela a ausência de formação académica em pintura, no entanto, a execução do desenho parece-nos muito bem elaborada. A falta de formação na área da pintura leva-o a cometer alguns erros na modelação cromática quer nos fundos, quer nas carnações, retratando figuras hieráticas e inexpressivas. Sentimos que o autor se preocupa, essencialmente, com a semelhança das feições do retrato com o retratado, decorando a execução do retrato psicológico das personagens.
A prática da pintura permite-lhe aperfeiçoar a técnica de óleo sobre tela, a ponto de ser reconhecido enquanto, pintor e de ter legitimidade para fundar na Régua uma escola/ ateliê, onde ensina gratuitamente[vii]. Deduzimos que este reconhecimento público se reflecte na quantidade de obras que Afonso Soares realiza para a SCMPR, o que nos permite supor que nos inícios do século XX, este se torna o “ pintor oficial” da instituição.
Em comparação com os outros pintores expostos na sala das sessões do hospital, as obras executadas por Afonso Soares, um autodidacta, são plasticamente inferiores. No entanto, cumpriram, na perfeição, o objectivo da SCMPR, o de prolongar no tempo a memória de quem contribuiu para a Misericórdia, funcionando como exemplo e incentivo a novos benfeitores, como já referimos no capítulo anterior.
- João Tomé Duarte* - CITEM 

[i] TÓRO – O concelho do Peso da Régua.
[ii] ALMEIDA, José Alfredo – Recordar o Comandante Afonso Soares.
[iii] CORREIA, João de Araújo – Horas Mortas. Régua: Imprensa do Douro, 1968,p.23.
[iv] Ibidem,pp.23-26.
[v] Bandeira de Tóro (1946) e José Braga – Amaral (2007), realizam estudos monográficos acerca de Peso
 da Régua, no entanto, não conseguem ir além do estudo de Afonso Soares, excepto nos assuntos das
 épocas contemporâneas aos referidos autores.
[vi] Supomos ser esta a formação inicial de Afonso Soares pois José Alfredo Almeida refere que o início da
 sua actividade profissional é nas obras da Linha do Douro entre Marco de Canaveses e Peso da Régua
 como “técnico e desenhador”. Cf. ALMEIDA – Recordar o Comandante Afonso Soares.
[vii] Ibidem.

* Este texto dedicado a José Afonso de Oliveira Soares, antigo Comandante dos Bombeiros da Régua, recordado como pintor, faz parte do relatório de estágio curricular  e profissional no Museu do Douro  de João Tomé Duarte, com o título “Retratos dos benfeitores da Santa Casa da Misericórdia do Peso da Régua no Museu do Douro : estudo da coleção” (edição de Autor, Porto, 2011). Agradecemos ao autor a autorização para a sua publicação.

    A fotografia, cedida pelo Senhor Abeilard Vilela para o Arquivo dos Bombeiros da Régua, testemunha o lançamento da primeira pedra para o Monumento Sacadura Cabral, realizado em Agosto de 1925. Podemos ver ao centro, Júlio Vilela a discursar, atrás deste os bombeiros da Régua com o estandarte da sua corporação e à esquerda o Comandante Afonso Soares acompanhado de Camilo Guedes Castelo Branco.

Clique nas imagens para ampliar. Este texto está também publicado na edição do semanário regional "O Arrais" de 22 de Março de 2012. Texto e sugestão de J. A. Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Março  de  2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Todos os direitos reservados. É proibido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue sem a citação da origem/autores/créditos. 

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Memórias de Coisas Antigas

Abeilard Henriques Vilela

Convidado que fui a escrever sobre os nossos bombeiros, quero desde já alertar que não sou sequer um bom escrevinhador das letras portuguesas e muito menos ainda sou um razoável comentador.

A minha idade avançada - a roçar os 90 anos de idade - não me tem impedido, contudo, de escrever coisas com alguma ousadia, sobre lembranças que perduram na minha memória, as quais sempre pretendi expor com a verdade que defendo e tal como as sinto, aliás, tendo emigrado da Régua quando ainda era um rapazote, apenas guardo lembranças dos velhos tempos, embora consiga guardar, ainda, todo o meu interesse pela terra em que nasci e de que me honro e por toda a região do Douro, a que fiquei ligado por acontecimentos que me e motivaram e por outros menos significativos, mas que me ajudaram a abrir os olhos para à vida.

Lembro-me, por exemplo, das enormes cheias do nosso rio, que, naqueles meus tempos de menino, chegava a levar as suas caudalosas águas até muito escassos metros da rua dos Camilos, trazendo aos nossos bombeiros trabalhos da máxima urbanidade, que os glorificariam para sempre. Eram cheias espectaculares, que amedrontavam mais as gentes ribeirinhas, porque lhes levava os animais que as sustentavam, porque lhes derrubava árvores que faziam parte da sua vida, e levavam com a corrente toda a espécie das suas pequenas riquezas, abatendo-lhes as míseras casas que lhes serviam de habitação. E roubava, por vezes, vidas de gente estimável, como aconteceu ao Dário e ao seu irmão, dois jovens que viram o bote em que se deslocavam ser engolido pelo redemoinho que as águas faziam, ao encontrarem a ponte de pedra, que liga, hoje, os concelhos da Régua e Lamego. Iam os dois irmãos à caça dos patos, que os havia em tal oportunidade... Eram, de facto, impressionantes tais cheias, quando, então, o nosso rio metia medo e respeito.

Estou a lembrar-me também, de uma estranha pergunta que fiz ao meu tio (António Monteiro) sobre os quilómetros de fios que nos passavam sobre as cabeças, estranhando eu na minha insensatez a sua resposta, informando-me que levavam energia eléctrica para a região do Porto. Perguntei-me a mim próprio porque o Porto nos levava a energia, quando nós, na Régua, ainda só tínhamos a luz de carboneto e em muito pouca quantidade... Já, ontem, levavam a nossa electricidade em condições tão precárias, como, hoje, nos levam o vinho do Porto, deixando toda a nossa região coberta com os mantos dos pobres! Injustiças e abandalhamentos, abusos e desprezo para as nossas gentes, que tão dura e dificilmente vivem a vida!...
Mas, referindo-me, agora, aos bombeiros da Régua, guardo uma especial recordação, qual é a de, numa certa manhã - teria eu uns 12 anos, talvez em 1934 - ter visto o meu avô materno (Gaspar Monteiro), face a um princípio de incêndio que se declarara num telhado da casa que habitávamos, subir arrojadamente ao mesmo telhado, através de uma janela e, apesar dos mais de 80 anos que já teria, ter apagado, sozinho, as chamas com um extintor, que ele, antecipadamente, fôra buscar ao aquartelamento dos nossos bombeiros, então situado num exíguo pátio que estava ligado à rua dos Camilos, por um pequeno e estreitíssimo quelho. Admirado com a sua destreza, foi nessa altura que tive conhecimento que ele, o meu avô, fôra pouco tempo antes o comandante da humanitária corporação, o que bem me explicava o seu desusado comportamento, apesar do pedido de todos os seus familiares presentes, que temiam uma queda, um acidente complicado. Aproveito para comparar a estranha colocação do quartel naquele quelho, porquanto qualquer movimentação das viaturas se tornava tremendamente difícil e demorada. Que comentários se fariam hoje?

Mas não pretendo falar da acção do meu irmão, do Dr. Júlio Vilela, como presidente dos nossos bombeiros, porque me parece que muito pouco poderia acrescentar para mais lhe acrescentar na boa memória de que continua a gozar, apesar dos muitos anos passados sobre o seu inesperado falecimento. Sei que deu toda a sua fôrça e inteligência, que pôs ao serviço dos seus conterrâneos e, naturalmente, da corporação a que teve a honra de presidir. Advinho quanto o meu irmão apreciaria o reconhecimento das pessoas pelos serviços que, também voluntariamente, lhes prestou.
Para finalizar, pretendo, ainda, aproveitar esta oportunidade para lembrar a figura benquista de Carlos Cardoso dos Santos, de quem fui amigo do coração. Conhecemo-nos como alunos do Colégio de Lamego, para onde eu fui transferido inesperadamente, por morte de meu pai. A partir daqui, fomos, na juventude, companheiros de todos os dias e, quando na Régua, gostávamos de percorrer quilómetros e quilómetros de estrada, conversando horas seguidas, ou fazendo desvios pela margem esquerda do nosso rio, tomando banhocas à revelia das nossas famílias, que temiam as muitas ratoeiras que, traiçoeiramente, uma vez por outra, vitimavam outros rapazes. As conversas que todos mantínhamos, uns com outros, forjavam sólidas amizades, que se manteriam pela vida em fora. Eram uma prática que foi caindo em desuso, tornando mais frágeis os laços sociais, para o que terá contribuído em muito o aparecimento da televisão, dos bares e outras actividades afins, talvez menos canseirosas e exigentes. O Carlos Cardoso foi dos poucos jovens do meu tempo que se fixaram na Régua, onde, então, veio a exercer destacadas missões de carácter humanitário, como foram as prestadas na Misericórdia e, principalmente, nos bombeiros, de que, por anos e anos, foi seu inestimável comandante.


Lembro-o com saudade, como lembro outros bons companheiros da minha juventude, guardando uma especial referência para o Rogério, abatido dos vivos pela assassina tuberculose, que, então, todos receávamos, porque ainda não tinha chegado o tempo dos anti-bióticos, descobertos posteriormente, e que constituíram uma verdadeira revolução para a medicina. A morte do Rogério, com 32 anos de idade, foi um golpe para todos nós, que o víamos como um extraordinário jogador de futebol, além de que era também uma excelente pessoa e um estimável companheiro. Eu e o Carlos Cardoso, um pouco mais novos do que ele, olhávamo-lo como nosso especial conselheiro, que o era de facto. Enfim, tempos que não voltam mais, mas que, uma vez por outra, relembro com muita saudade, e que fôram os da minha primeira formação, aquela que me manteve sempre ligado à minha região, ao Douro, ao nosso rio, aos nossos costumes tradicionais, aos montes e vinhas, que, tudo considerado, me transformaram no homem que sou, nas suas qualidades e defeitos.

Eram outros tempos, mas, como foi bom vivê-los!

Nota - O nosso muito obrigada, mais uma vez, ao senhor Abeilard Henriques Viela pela sua generosa partilha no Arquivo dos Bombeiros da Régua de tão preciosas e fiéis memórias que, numa saudável nostalgia, evocam com muita ternura e admiração grandes e inesquecíveis figuras da história da Associação. A saber e a gravar o seu nome em letras de ouro: Gaspar Henriques Monteiro, um bombeiro da velha guarda; Dr. Júlio Vilela, um dos melhores Presidentes de Direcção de sempre e o saudoso Comandante Carlos Cardoso.

- Colaboração de texto e imagens do Dr. José Alfredo Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro". Clique nas imagens acima para ampliar.
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Memórias de Coisas Antigas
Jornal "O Arrais", Quinta feira, 23 de Junho de 2011
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quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A Minha Rua dos Camilos

Assalta-me sempre o sentimento da saudade, quando deito os meus olhos sobre uma fotografia que tenho exatamente da rua dos Camilos, que mostra o que ela era há cerca de 79 anos, isto é, na segunda metade da década  dos anos 30 do século passado, principalmente o trecho desta rua que ia da curva onde funcionavam as oficinas dos Janeiros até ao entroncamento com a rua de Serpa Pinto. É um trecho que me recorda os meus doces  tempos de rapazote e, até, os da meninice.

Ela era uma rua sem perigos, segura, onde todos se conheciam. Na fotografia que tenho presente, salienta-se o prédio onde morava o meu patriarcal avô – Gaspar da Silva Monteiro, de muito boa memória  e onde eu vivi dos 11 aos 14 anos de idade. Este prédio, na fotografia, encobre um outro, contíguo, onde eu nasci e onde vivi até um pouco antes de 1930. O prédio onde viveu o meu avô está separado do da Casa do Douro pela rua da Alegria, o qual por sua vez tinha em frente, no passeio oposto, a casa do “Menino d'Ouro” e uma pequena loja, onde o Né (Rodrigues) viria a montar a sua ourivesaria. Um pouco mais ao lado, a casa onde moravam os Coutinhos, que tinham um seu denodado representante no corpo ativo dos nossos  humanitários Bombeiros.

Caminhando neste mesmo passeio, iríamos encontrar, um pouco mais adiante, uma barbearia, uma outra loja da família do Né e a oficina do latoeiro, de cujos proprietários não me lembram os nomes. Dois passos mais ao lado íamos encontrar o prédio e a loja do Valente Velho e a padaria do Azevedo, um dos fundadores do Sport Clube da Régua, já à esquina da rua. Nesta bifurcação com a rua de Serpa Pinto, estavam as lojas dos Fortunatos, do Borrajo e do Zé Pinto, todos estimados comerciantes. Alguns anos depois, iríamos ver fixado nesta bifurcação um polícia sinaleiro, quando o trânsito automóvel se intensificou.

Se nos aproximássemos de novo da casa do meu avô, encontraríamos um quelho, logo à entrada do qual, se encontrava uma outra ourivesaria e, ao fundo, as limitadíssimas instalações dos Bombeiros Voluntários.

Nesta fotografia que tenho referido, evidencia-se o intenso movimento da rua, mas sendo ainda pouco denso o movimento automóvel, que eram poucos os carros existentes na altura. Pelo contrário, era notável o movimento dos carros de bois, que carregavam as pipas, e passavam chiando, chiando, animando os animais. Naquele tempo, desfilavam na rua as varinas com os pregões, anunciando os seus produtos, e passavam outras mulheres, que carregavam grandes cestas com pão para entregarem a freguesas certas. Era também significativo o movimento de outras mulheres, que carregavam a roupa que lavavam no rio e que, depois, coravam.

Pouco antes da fotografia, fora aberto o novo edifício da Casa do Douro, que ficou repleto com os trabalhadores que nele serviam, sendo comum encontrarem-se pequenos grupos de pessoas a conversarem à porta de entrada da instituição, que também era um ponto de encontro das pessoas. A Casa do Douro era uma pedra preciosa para a Régua e para todo o Douro, era uma instituição importante, só comparável aos regimentos militares de Vila Real e de Lamego e ao próprio caminho de ferro, que serpenteava por toda a região e a fazia feliz.

A rua dos Camilos – o centro da Régua, outros lhe chamavam o “cimo da Régua” – parecia já, em verdade, um formigueiro de gente, de gente ativa, de gente ligada às vinhas e ao comércio, principalmente. Do alto das varandas das casas em que vivi – a casa do meu avô tinha marcado o número 44 – eu passava muito do meu tempo de rapaz a admirar o bulício de tanta gente, muito me admirando a pacatez das ruas de Lamego, que eu visitava com frequência.

Na altura das vindimas, todo o movimento da rua  mais aumentava ainda, merecendo-me destaque a passagem das rogas para as vindimas, que vinham de Trás os Montes e da Beira, homens e mulheres cantando, assobiando pelos seus apitos, tocando bombos e tambores, chamando, com a sua alegria, a população às janelas e varandas, toda a gente em festa, todos se correspondendo.

A rua dos Camilos, correndo desde a rua de Serpa Pinto até à estação dos comboios, tinha, neste lado contrário ao do trecho já referido, aspetos de carater inteiramente diferenciado, pois que víamos muita gente que não conhecíamos a sair e a entrar para a estação a todas as horas do dia, e, na situação de espera, alguns (ainda não muitos) carros de transporte coletivo de passageiros, de Lamego e de Castro Daire, alem de um ou outro táxi, concorrendo com os camiões.

Não muito longe da Estação, quase em frente a um celebérrimo hotel Borges, a ponte dos Guindais, que atravessava a linha dos comboios, e, que naquele tempo, usava de má fama: toda a gente a via, mas ninguém falava dela, salvo em dichotes de humor malicioso. O respeito, respeitinho é muito lindo!...Entre este pontão e o Largo da Estação estava erigida a linda Capela do Asilo, outra instituição meritória, que honrava a Régua.

Todas as referências desta já extensa memória se referem - há que o esclarecer – à vida diurna da Régua, tal como eu a senti, mas, após as 21 horas de cada dia, a vida da população em geral, era quase impercetível. As pessoas tinham de ir cedo para a cama para repousarem, que o dia seguinte seria de intenso trabalho e de negócios, como a rua dos Camilos bem o demonstrava. Só alguns jovens perturbavam os silêncios das noites, para o que a simples presenças de meia dúzia de elementos da GNR (aquartelada no fundo da Rua da Alegria) chegava perfeitamente para evitar excessos, assim se respeitando a ordem pública, porventura sempre em risco, tão insuficiente era a iluminação existente.

A atividade cultural era então muito restrita, ficando-se, praticamente por pequenos encontros de alguma gente mais informada aos fins da tarde, junto dos estabelecimentos do Borrajo e do Zé Pinto, alem de uns convívios do doutor Júlio Vilela com alguns dos seus admiradores, convívios que fazem parte da própria história da Régua, sempre a altas horas da noite, constituindo notas de amizade e de franca lealdade, que ainda hoje, gostosamente relembro. De referir que as conversas tocavam os assuntos mais diversos, com a exceção dos assuntos políticos, que isso não se coadunava com o espírito do regime que, na altura, vigorava.

Havia na época dois cafés nas imediações das oficinas dos Janeiros, ambos com uma frequência não muito intensa, onde os clientes mais velhos iam saborear o “cafezinho do costume”, e, os mais novos, iam jogar um pouco o bilhar e alongar-se em conversas singelas, embora disputadas, sobre o Benfica e o Sporting, que o Porto ainda não tinha atingido a maioridade desportiva. Também aqui, nos cafés, não se falava de política, nem sequer quando, em 1936, da guerra civil de Espanha.

Os meus olhos de hoje dão-me a leitura das coisas daquele tempo, tal como as senti, naturalmente.

Nas descrições que fiz, no entanto, cometi um lapso, que seria imperdoável, se não o confessasse: não referi que do cimo da rua da Alegria, já na rua dos Camilos, se avista, dominante, o nosso rio Douro, uma enorme corrente de água - quando das cheias, quase imensa - que sempre condicionou os nossos sentimentos. De um rio bravio e de que gostávamos, fizeram os homens um lago calmo, navegável, mas com uma faceta ou com outra,  um rio quase espiritual, mais se ainda se não esquecermos o valor da faina única dos seus “rabelos”, que noutro tempo garantiram a chegada do néctar duriense à cidade do Porto e à consequente exportação.

A fotografia não nos mostra o rio, mas nem um só reguense ignora o seu rio lindo, que lhes corre aos pés e que é a razão do nosso amor à região que ele, amorosamente, vai continuar a saudar por toda a eternidade.

Que saudades eu tenho daqueles tempos, dos amigos, das brincadeiras!

Era uma felicidade plena, que sempre se sobrepôs a todos os contratempos da vida!
- Abeilard Vilela, Janeiro de 2013

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